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Era meu namorado

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Texto de Bia Cardoso.

Ontem, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou uma pesquisa sobre violência contra a mulher, com dados importantes sobre a tolerância às agressões e casos de estupro. Na pesquisa, os entrevistados (mulheres e homens) foram questionados se concordavam ou não com frases sobre o tema. Nada menos que 65% concordaram que a mulher que usa roupa que mostra o corpo merece ser atacada — 42,7% concordaram totalmente, e 22,4%, parcialmente.

Portanto, vivemos num país em que as pessoas acreditam que mulheres MERECEM SER ATACADAS. É claro que imaginei que as pessoas fossem colocar a culpa nas mulheres pela violência sexual, mas nunca pensei que tantas pessoas concordariam que alguém merece sofrer violência sexual.

Pelas perguntas feitas na pesquisa, as pessoas devem ter imaginado situações de violência perpetradas por estranhos. Porém, sabemos que a maioria dos casos de violência contra a mulher ocorrem no espaço privado. Se as pessoas acham que alguém merece ser atacada por um estranho só por estar com uma roupa curta, não quero nem pensar o que acham sobre o poder que maridos, namorados, parceiros e afins devem ter sobre as mulheres. Liberdade? Acho que não faz parte do vocabulário dessas pessoas.

Essa semana, conheci o tumblr: ‘Era meu namorado’; com diversos relatos anônimos de violência, especialmente a violência sexual perpetrada por parceiros em relacionamentos heterossexuais. De acordo com a autora do tumblr (que prefere permanecer anônima), o objetivo inicial era apenas desabafar:

Há alguns meses criei, anonimamente, uma página chamada ‘Era meu namorado’ para colocar um relato meu, mas a página acabou se transformando em um espaço de divulgação de relatos de mulheres que foram vítimas de estupro ou de qualquer tipo de violência de gênero (física ou psicológica).

Comecei a receber relatos e publicar na página, até que parei porque estava muito sensibilizada devido às minhas experiências pessoais… e estou voltando agora que me sinto mais preparada pra isso. 

O resultado, mesmo tendo poucos posts até agora, está sendo muito positivo… Eu sei do alívio que senti quando publiquei o meu próprio relato, foi como se tirassem uma pedra gigantesca de cima de mim. E depois, muitas mulheres já me mandaram relatos, e todas se dizem agradecidas pelo espaço e pela oportunidade de compartilhar suas dores. O que quero fazer agora é usar os relatos na conscientização de pessoas, estou reunindo material pra fazer uma zine impressa com alguns relatos, ilustrações e links de “introdução” ao feminismo, pra levar mais pessoas, especialmente mulheres que não se dão conta do que elas próprias passam, à reflexão.

A violência sexual é um tipo de agressão que envolve essencialmente poder. Não se trata apenas de força física, mas também da autoridade, influência e posse sobre outra pessoa, sobre seus sentimentos e psique.

Compartilhar experiências de violência tem sido uma importante ferramenta para muitas vítimas lidarem intimamente com suas questões. Especialmente as mulheres, costumam se reunir em grupos para trocar experiências. Dentro do feminismo, essa foi uma ação importante popularizada durante a chamada Segunda Onda.

“O processo de transformar medos ocultos e individuais de mulheres em uma consciência compartilhada de seu significado como problemas sociais, a liberação da raiva, da ansiedade, a luta para proclamar o sofrimento e transformá-lo no político – esse processo é a elevação da consciência.” Referência: Grupos de reflexão.

Marcha das Vadias de Curitiba, 2011. Foto de Leandro Taques/UOL.

Marcha das Vadias de Curitiba, 2011. Foto de Leandro Taques/UOL.

Lembrei também de outras iniciativas como essa, como o extinto Bendita Zine (.pdf), um blog em que mulheres podiam relatar anonimamente casos que viveram de violência:

Abusos não são apenas físicos. Quando físicos, não precisam “chegar até o fim” para se configurarem como tal. O pior em uma situação de abuso sexual é que é um crime sem testemunhas. A vítima, que muitas vezes depende financeiramente do abusador, tem sua voz calada. Quando pensa em ir à polícia, é agredida por outros membros da família. Qualquer pessoa pode ter passado por isso, independente de qualquer coisa. (…) O Bendita Zine é uma iniciativa contra um crime que existe desde sempre e pretendemos acabar com o silêncio e o descaso daqueles que acham que isso está distante.

Há também espaços virtuais como a página do Facebook: ‘Cantada de rua – conte seu caso‘. A internet tem se mostrado uma ferramenta importante na agregação, acolhimento, apoio e orientação para muitas pessoas que foram vítimas de violência. Infelizmente, ainda temos um longo caminho pela frente. Respeito tem que ser para todas!

Sobre o tumblr:

Os relatos ou depoimentos podem ser enviados como mensagem privada para a página do Facebook ‘Era meu namorado’ ou para o email: erameunamorado@gmail.com. O anonimato das vítimas está garantido.

Bia Cardoso

Uma feminista lambateira tropical.

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